segunda-feira, 20 de abril de 2009

O dom das lágrimas


“Que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.” Segunda epístola de Paulo aos CORÍNTIOS 1.4

Jesus Cristo nos ensina: “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados”. Ou seja, existe na vida um espaço legítimo, saudável e abençoador para as lágrimas, para expressar emoções como medo, ira e tristeza.
Choro pode ser engolido, bloqueado e gera re-sentimento. Ou então se expressa proporcionalmente ao fato que o ocasionou. Há lugar para lágrimas reais, que têm a ver com uma causa real e, quando terminamos, nos sentimos aliviados. Ao contrário das lágrimas não choradas que deprimem que se tornam manipuladoras.
“Irai-vos, mas não pequeis” significa uma santa indignação que se expressa através da raiva que se transforma em tolerância e perdão. A ira que não peca é aquela que não é destrutiva para o outro nem para si. É diferente da raiva engolida e bloqueada que se transforma em ressentimento, e depressão.
A Bíblia afirma que há dois tipos de lágrimas: segundo Deus e do mundo (2 Co 7.10). A primeira é leve e transformadora, a segunda é esmagadora e depressiva.
Uma espiritualidade alinhada com a cruz redentora significa a percepção profunda de nossa miserável condição de pecadores, de pecadores compulsivos e viciados em pecar. Significa perceber o custo e o tamanho da reparação na face amorosa de Jesus Cristo na cruz do Calvário. A espiritualidade cristã vive essa realidade revelada a partir do coração, e não somente a partir da compreensão intelectual da reta doutrina. Isso quer dizer que a percepção desta realidade atinge também nossos sentimentos e afetos.
No íntimo de nossa alma contemplamos a Cristo, o nosso Redentor, e choramos pela nossa condição de pecadores. Quem nunca chorou diante da cruz, arrependido pelo seu pecado, tampouco experimentou a alegria indizível de ser acolhido e perdoado por Deus, que nos faz seus filhos amados. Em outras palavras, quem nunca derramou lágrimas como o Pródigo tampouco participou da festa do perdão convocada pelo Pai.
Choramos também de compaixão diante do nosso Deus. Jeremias, o profeta, faz contato com suas ansiedades e angústias e chora pelo povo desviado e sofredor. São lágrimas de tristeza, de vergonha e de compaixão. Entre nós há muita indignação ou complacência, e poucas lágrimas, pouca compaixão. Compaixão não é ficar triste com a situação de uma pessoa, mas ficar triste com a pessoa.
Jeremias chora de compaixão por uma sociedade adoecida e corrompida pela qual ele sentia vergonha. E por saber que aquele povo estava sob o julgamento e a condenação de Deus.
Jesus Cristo chorou quando lhe contaram que seu amigo Lázaro havia morrido. No entanto, temos uma postura estóica – muitos afirmam que crente não chora, e associam tristeza com pecado. Nem sempre é assim. Há lugar para lágrimas, tristeza e luto quando perdemos alguém querido. Nosso Deus é um Deus de dores que conhece a tragédia humana e que caminha conosco no vale da sombra e da morte, trazendo consolo e alívio para os enlutados.
Podemos viver na presença de Deus nossos sentimentos mais profundos. Orar com os acontecimentos da vida. Oração não é só para pedir para o nosso conforto material, é oração pessoal biográfica, é derramar o coração diante de Deus. Salmodiamos quando estamos alegres e fazemos lamentações quando estamos tristes. Há um livro inteiro de Salmos e um outro de Lamentações na Bíblia.
Negamos nossas tristezas e por isso não somos curados. Precisamos expressar nossas tristezas e angústias para sermos consolados e libertos. Lamentos são constatações diante de Deus, sem explicações. Expressamos nossas tristezas diante de Deus para nos despedirmos delas (esvaziar a alma, Sl 55.16-18) e sermos consolados (converter nosso pranto em folguedos, Sl 30.11).
O sofrimento é um mistério. Não podemos explicar como pode um justo sofrer diante de um Deus que é bom, que tem tudo sob seu controle. Sabemos, no entanto, que o Deus das Escrituras é Pai de Jesus Cristo, o Deus encarnado que sofreu conosco e sofreu por nós. Por isso ele compreende e está perto de nós, caminha conosco nas nossas dores e angústias, nos consola e enxuga nossas lágrimas.

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