sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A salvaçao vem pela mae


Não é nada disso que você pensou! A proposta deste artigo não é discutir soteriologia nem mariologia. O assunto é outro! Quem estiver fazendo suas leituras bíblicas devocionais e por acaso começar a ler o livro de Juízes ficará atordoado. O fato é que quando se segue a proposta “aspirínica” atual de ler a Bíblia para sentir-se bem, muitos desistem da leitura que em grande parte é assustadora.
O livro descreve a infidelidade dos israelitas para com Deus, marcada por um ciclo perene de pecado, servidão, clamor e libertação. A descrição da sociedade da época revela o caos generalizado. Em quatro versículos lemos o refrão: “Naquela época não havia rei em Israel” (17:6, 18:1, 19:1, 21:25), e dois textos acrescentam: “Cada um fazia o que lhe parecia certo” (17:6, 21:25). A história do levita e a morte de sua concubina (19) e a subseqüente guerra contra os benjamitas são capazes de apavorar até quem vive na Rocinha ou nas áreas perigosas de Washington (Estados Unidos). É bem possível que quem lê o livro de Juízes depois de jantar nem consigar dormir bem de noite!
Nas Bíblias ocidentais (que seguem a ordem da Septuaginta), vemos que o livro de Juízes é seguido pelo livro de Rute. Todavia, na Bíblia Hebraica, seguindo a ordem judaica tradicional, descobrimos que é o livro de 1 Samuel que aparece na seqüência. Na verdade, é a ordem natural. A história do povo de Israel prossegue numa seqüência nítida de Juízes para 1 Samuel. Diante disso, não é difícil imaginar o que provavelmente se passava na mente de um antigo leitor da Bíblia Hebraica. Ao terminar de ler Juízes, certamente ele estaria se perguntando como Deus iria agir para tirar o povo de uma situação caótica e terrível como a que é descrita no fim do livro. De onde viria a salvação? Quem traria ordem e esperança para um povo tão machucado? Se pudéssemos sugerir, o que diríamos? Um grande rei como Davi? Um general poderoso? Talvez fosse mais razoável pensar num sacerdote ou num profeta consagrado. Para a nossa surpresa, a esperança e a salvação não procederão de uma figura promissora do ponto de vista humano.
O texto do primeiro capítulo de 1 Samuel surpreende nossa expectativa. A figura promissora que surge é a de uma mulher estéril chorando e clamando a Deus por um filho. Já não era suficiente ler sobre a tragédia nacional, agora teremos de ler uma tragédia familiar! Afinal de contas, estamos lendo a Bíblia ou vendo “Cidade Alerta”? Surpreendentemente, a história bíblica mostra como Ana sofria por ser estéril, uma grande vergonha em sua época.
Para a consternação de muitos, o texto bíblico ainda deixa claro que “o Senhor a tinha deixado estéril” (1:6). Todavia, essa mulher (e não um homem), leiga (e não um sacerdote ou profeta), comum (e não alguém que pertencia à nobreza), tem fé e persistência para continuar chorando a Deus por um filho. Em vez de queixar-se da vida ou revoltar-se contra a ordem estabelecida, ela mantém persistentemente sua fé e ora a Deus desconsiderando sua própria imagem perante os outros. Seu desespero leva o sacerdote Eli a considerá-la uma bêbada (1:14), e ela faz questão de explicar-se dizendo que não é uma “vadia” (1:16 – literalmente “uma filha de Belial”). Sua fé é vitoriosa, e o Senhor se lembra dela, e ela tem um filho (1:19-20).
A lógica divina é surpreendente. Por meio de uma profunda luta pessoal, Deus desenvolverá a reconstrução da nação. Ana é a mãe de Samuel. O último juiz de Israel teve o mérito de equilibrar a nação e prepará-la para a sua futura monarquia. Samuel torna-se um dos líderes mais importantes da história do Israel bíblico. O que impressiona é que Deus usa caminhos inesperados para a lógica humana. Ele usa quem menos esperamos, nas situações mais adversas e desconfortantes. Parece que Deus tem prazer em reconstruir a história humana a partir dos cacos humanos.
Isso tem grande significado para quem crê. O poder pertence a Deus. Ele faz o extraordinário, e a história da redenção divina é essencialmente milagrosa. O mais bonito é que Ele escolhe agir por intermédio de gente comum, em meio às aflições que Ele mesmo permite em nossa vida. Na história antiga do Israel Bíblico, a salvação do rumo da nação de Israel não vem de um profeta, de um general, de um grande rei, mas, sim, de uma simplesmente mãe, que na verdade nem mãe conseguia ser.

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